O professor de inglês Benigno Sánchez-Eppler da Amherst College leciona duas disciplinas sobre multiculturalismo: “Atravessando Línguas e Vivendo em Tradução” (Language Crossing and Living in Translation) e “O Jogo Multilíngue” (The Multilingual Game).

O grupo de estudantes que participou na disciplina de Tópicos Especiais “O Jogo Multilíngue” já veio profundamente engajado em dificuldades na vivência em sua casa ou com sua primeira língua, essas frequentemente relegadas. A combinação de “intervenções” que o grupo levou para a comunidade da faculdade trouxe os problemas do multilinguismo em Amherst à tona e deu visibilidade sem precedente a essas preocupações: uma exibição pública de projetos finais no Keefe (centro de convivência do campus); o vídeo “Nossas Histórias de Língua” (Our Language Stories), que membros do corpo docente assistiram durante o retiro para seminários de primeiro ano First Year Seminar Retreat em 2017; e “Quebrando a Barreira da Língua” (Breaking the Language Barrier), destacada na seção College Row da revista Amherst Magazine.

Neste excerto, Benigno Sánchez-Eppler reflete sobre suas motivações para a criação dessas disciplinas e sobre como Amherst College pode desenvolver sua destreza como uma instituição multilíngue.


Minha urgência para criar em 2015 o Seminário de Primeiro Ano “Atravessando Línguas e Vivendo em Tradução” vem das minhas próprias travessias na língua: meus próprios perigos e triunfos como tradutor e como intermediador cultural, uma pessoa montada em mais do que uma diversidade. Houve um tempo no qual nada na minha educação me dizia que minha língua falada em casa era um tesouro. Portanto, eu criei uma disciplina em Amherst com o objetivo de levar estudantes multilíngues a perceber que sua língua materna é uma riqueza, e que eles não estão sozinhos nesse sentimento ambivalente, e talvez até mesmo em conflito e deprimidos pelas pressões de assimilação e supressão linguística. Houve um tempo quando meu próprio desenvolvimento da excelência em um inglês público, rentável e robusto tornou-se o padrão que eu utilizaria para desvalorizar e rejeitar aquela querida língua materna, que eu havia deixado de lado para focar na minha aquisição do inglês. Então, em Amherst, eu criei uma disciplina para tornar esse mecanismo de autodepreciação visível, e para convidar estudantes apresentando uma tendência parecida a ensaiar e concretizar suas próprias interrupções dessa espiral anestesiante.

Houve um tempo em que meus colegas monolíngues não tinham ideia do meu entusiasmo e frustração ao trabalhar em uma beirada crescente de um novo idioma tão próprio a eles, e tão ainda-não-meu. Eles não conseguiam entender a razão pela qual eu mal conseguia falar, e ao mesmo tempo tinha um surpreendente domínio das mais longas e raras palavras no registro latino do inglês. Portanto, em Amherst, criei uma disciplina para ajudar falantes monolíngues do inglês a descobrir e deter a amplitude miscigenada da sua língua inglesa, e a dependência dela em uma sobreposição de diferenças, de inimigos tornando-se familiares, da migração como a força básica que dá às pessoas suas línguas.

Conversando com novos estudantes latinos e seus pais, me enxergo validando o que esses alunos e alunas vão contribuir no conteúdo e tom das disciplinas que ensinamos. Depois que eu conto para esses estudantes como suas intervenções culturais particulares vão enriquecer o currículo, é fácil falar sobre como eles não são apenas convidados de uma hospitalidade benevolente, e sim como eles são Amherst, como eles podem reorganizar os móveis, e hospedar o mundo nesse lugar que pertence a eles.

Os planos da faculdade de “globalizar o currículo” poderiam ser implementados com o aumento proposto de conteúdo curricular global e/ou internacional, com uma ênfase revigorada no domínio de línguas estrangeiras, e no envio de cada vez mais estudantes para o exterior à procura de experiências de imersão afora. Porém precisamos também reconhecer, identificar de maneira explícita, e colocar em uso a interioridade multicultural e transcultural de nossos estudantes e membros do corpo docente. Necessitamos descobrir maneiras de priorizar atenção às dádivas, especialidades, histórias e línguas maternas que nossos próprios alunos e alunas já carregam consigo quando chegam aqui. Quando a cultura e as prioridades curriculares ao redor não validam a riqueza da carga interior dos estudantes, esse tesouro apodrece em prorrogação e desuso. A assimilação não é simplesmente uma entrega à mesmice, e sim uma erosão contínua e uma incapacitação do que a mesmice ao redor não abrangerá.

A diversidade abundante dos estudantes de Amherst de hoje comprovou um forte incentivo para estruturar o meu ensino de uma maneira que eu possa dar espaço no currículo para os dons e competências que nossos estudantes trazem, e para maximizar as ocasiões nas quais eles precisam aprender uns com os outros. Lembro-me das disciplinas que cursei em Williams College no fim da década de 1970, quando os estudantes faziam ou diziam algo brilhante e o professor pulava de alegria e celebrava “o espetáculo da mente se abrindo”. Eu testemunho muito disso na sala de aula diversa, multicultural e mutuamente autorreveladora de Amherst. Permaneço grato pelo privilégio de acompanhar esses alunos e alunas à medida que eles residem em uma prosperidade que é verdadeira e que pertence a eles e elas.

Benigno Sánchez-Eppler
Professor de Inglês

Translator’s Note by Álex Filipe Santos ‘19

The first difficulty I came across when developing this translation was the fact that Portuguese—as most Romance languages—is highly inflected with respect to gender. This creates a challenge when using proper English nouns, whose genders need to be picked as sensibly as possible: “de/da/do Amherst College?” In standard Portuguese, there is no choice for a gender-neutral pronoun such as the English “they”, and adjective inflections are purely based on the noun/pronoun gender (“eles” or “elas”). In this case, I used a mixture of invariant nouns (“o/a estudante”) and inflected nouns (“o aluno” / “a aluna”) throughout the text. The second challenge was finding equivalent Portuguese renderings of English idiomatic expressions which lose their meaning when directly translated. Overall, I sense that my efforts were successful. One instance is the strength of possessive pronouns (“theirs”) and verbs related to possession (“to own”) in English, which can be slightly less pronounced in Portuguese and require additional words for a proper emphasis (“próprio a eles” or “pertence a eles e elas”). Nonetheless, it is important to keep in mind that a good portion of Portuguese native speakers, especially those resident in their home countries, do not come from a background in which concepts such as liberal arts colleges, residential college experience, and multilingualism at home are widespread. This surely has an influence on how certain references to these experiences in the text are interpreted by readers and cannot be summarized in an excerpt of this length. Many thanks to Rodrigo Heck and Hugo Bello, who helped me review this translation.


Nota do Tradutor

A primeira dificuldade que enfrentei no desenvolvimento dessa tradução é o fato de o português—assim como a maioria das línguas românicas—ser uma língua altamente flexionada em relação ao gênero. Existe, portanto, um desafio ao utilizar-se nomes próprios vindos do inglês, cujos gêneros devem ser escolhidos da maneira mais sensível possível: “de/da/do Amherst College”? Na norma padrão da língua portuguesa, não existe um pronome de gênero neutro como o they no inglês, e a flexão dos adjetivos é baseada no gênero no substantivo/pronome concordante (“eles” ou “elas”). Nesse caso, eu empreguei uma variedade de substantivos invariáveis (“o/a estudante”) e flexionados (“o aluno” / “a aluna”) no texto. O segundo desafio foi encontrar interpretações equivalentes no português de expressões idiomáticas inglesas que perdem o sentido quando traduzidas ao pé da letra. De maneira geral, considero que meus esforços foram bem-sucedidos. Um exemplo é a força dos pronomes possessivos (theirs) e verbos relacionados à possessão (to own), que podem ser levemente menos acentuados no português, e requerem palavras adicionais para uma ênfase correta (“próprio a eles” ou “pertence a eles e elas”). Entretanto, é importante ter em mente que uma boa parte dos falantes nativos do português, especialmente aqueles residentes em seus países de origem, não estão em um ambiente no qual conceitos como faculdades de artes liberais (liberal arts colleges), experiência residencial na faculdade e multilinguismo em casa são amplamente difundidos. Isso certamente tem uma influência na maneira em que certas referências à essas experiências no texto são interpretadas pelos leitores e não pode ser resumido em um excerto desse tamanho. Sou muito grato pelo apoio do Rodrigo Heck e Hugo Bello, que me ajudaram a revisar essa tradução.

 

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